MENSAGEM DA EQUIPA MÉDICA
A prova inclui terrenos de vários tipos, tem desníveis acentuados e perigos associados aos ecossistemas atravessados.
O período do ano em que se disputa pode incluir variações climatéricas significativas durante a prova, desde calor e baixa humidade a neve e temperaturas negativas, por vezes com menos de 48 horas de diferença. Estas condições associadas à distância e altimetria da prova acarretam dificuldades que levam tanto os primeiros como últimos a recorrer à equipa médica em algum momento da prova. Numa prova com estas características resolver um problema precocemente é aumentar a hipótese de terminar.
Os problemas mais comuns nesta prova são de origem traumática: bolhas nos pés (o mais prevalente), lesões osteoarticulares (entorses, feridas ligeiras) e musculares (distensões, caîmbras).
Não são incomuns sintomas associados a esforço físico intenso: exaustão, vómitos, diarreia e dor de cabeça. A desidratação é incomum, mas sintomas de hiponatremia ligeira a moderada são frequentes.
Não só antes da prova como durante a mesma, as pequenas conversas e aconselhamento foram a forma mais frequente de ajudar os atletas a prevenir estes problemas e a ter sucesso.
A equipa médica espera que os atletas sejam o mais autossuficientes possível. Uma pequena lesão pode ocorrer em qualquer momento do percurso, e a maioria do percurso não tem médico em permanência física.
Pode ser necessário percorrer vários quilómetros até chegar à equipa médica seguinte numa base ou no terreno. Assim sendo, ser capaz de resolver pequenos problemas médicos (bolhas nos pés, pequenas feridas, queimaduras solares), e identificar sinais de exaustão, hipotermia ou hipertemia, são o primeiro passo para evitar complicações e contribuir para o sucesso na corrida.
Assim como treinam o corpo, treinem também competências básicas para identifica e resolver estes pequenos problemas.
O que esperar da equipa médica?
Pode ser pedido apoio médico em qualquer ponto da prova. O tipo de apoio médico em cada ponto da prova depende da gravidade.
Em todas as bases haverá cuidados básicos para tratamento de feridas, bolhas nos pés, áreas de recuperação, avaliação sumária da condição física dos atletas.
A prioridade de prestação de cuidados será efetuada de acordo com a gravidade da situação identificada – como seria de esperar numa urgência hospitalar.
Exemplos:
1. Pequenas bolhas serão observadas e tratadas, mas não serão prioridade.
2. Problemas relacionados com exaustão terão prioridade sobre problemas de pele.
Cuidados médicos fora das bases serão atendidos de acordo com a gravidade:
Pequenas lesões que não comprometam a progressão na prova só serão abordadas pela equipa médica nas bases (espera-se o autocuidado dos atletas).
Problemas médicos que necessitem de intervenção entre bases serão abordados no local onde estiver o atleta (depois de ativado o pedido de apoio/resgate).
Informações sobre as situações clínicas mais comuns
(Podem ajudar-te na preparação da prova e a minimizar a necessidade de cuidados médicos durante o evento).
Problemas mais comuns:
. Bolhas (flictenas)
. Assaduras (maceração)
. Queimaduras solares
Bolhas (flictenas): são áreas de descolamente das camadas da pela e preenchidas com líquido.
Factores de risco para bolhas nos pés:
1. Ciclo de pés húmidos > pés molhados > pés secos (aumenta fragilidade da pele)
a. Água; b. Lama; c. Suor (vai sempre depender das meias e esquema de troca destas)
2. Terreno com maiores declives
a. Subidas e descidas de grandes inclinações (forte tração nos tecidos dos pés).
3. Calçado mal ajustado ou mal fixado – fricção sobre os tecidos
4. Meias que permitem muito ou pouco movimento do pé dentro da bota
5. Pés de forma invulgar (por exemplo, proeminências ósseas, dedos dos pés/calcanhar, etc.)
6. Presença de calosidades prévias.
7. Sensação de ardor em local específico
Ciclos | Declives | Calçado | Meias | Anatomia | Ardor | Calos |
---|---|---|---|---|---|---|
1 factor presente= bandeira vermelha, verifica os pés quando parares e protege as áreas com bolhas ou pontos quentes.
Prevenção
1. Escolher bem o calçado e as meias é um passo fundamental para reduzir a fricção e atrito sobre os pontos de maior stress no pé.
2. Conhecer bem a anatomia dos pés permite reforçar (“tapping”) as áreas mais prováveis de desenvolver as bolhas.
3. Estar muito atento a sinais de novas bolhas- “pontos quentes”-, áreas com sensação de ardor e proteger precocemente.
4. Pedir ajuda/aconselhamento se houver bolhar com as quais tens dificuldade em lidar.
Encorajamos todos os atletas a terem kits próprios para tratamentos de bolhas dos pés. Se necessitarem de apoio da equipa médica para gerir este problema espera-se que cheguem ao local de prestação de cuidados com os pés limpos e secos.
Maceração de tecidos/Assaduras
A maceração de tecidos ou assaduras são consequência de fricção repetida da pele. Os locais onde é mais comum desenvolverem-se são:
. Virilhas/face interna das coxas
. Zonas de fricção dos mochilas/”camelpacks”: ombros, costas/dorso, cintura
. Axilas
. Transição das sapatilhas para a perna
Para prevenir este problema:
. Transição das sapatilhas para a perna
. Usar roupa transpirante e de tecidos leves
. Usar mochilas com ajustes adequados e não excessivamente pesadas
. Ajustar o roupa de forma a que não estar demasiado apertada
. Utilizar creme hidratante ou cicatrizante se iniciar calor, rubor sensação de ardor na pele.
. Cobrir e proteger a área se a situação já é conhecida.
Queimaduras solares
Esteja sol ou nublado, o tempo de exposição a UV será elevado, assim como o risco de se desenvolverem queimaduras solares.
Para prevenir este problema:
- Incluiu na tua rotina a colocação de protetor solar em cada base.
A desidratação é um receio frequente dos atletas durante o treino e provas de trail e ultratrail.
Na realidade, a desidratação apesar de um risco real, ocorre com pouca frequência nestas provas.
A desidratação ocorre quando a quantidade de água ingerida é menor do que a quantidade de água perdida. Existem vários formas de calcular a necessidade de água durante o exercício, todavia, o corpo humano tem o sistema de alerta com milhões de anos de evolução e provas dadas: SEDE.
Quando o volume de água corporal reduz 1% desencadeia-se a sensação de SEDE.
A perda de 1% volume de água corporal não tem impacto significativo na performance desportiva.
Por estes motivos a nossa recomendação é: beber água sempre que tiveres sede.
Velocidade de perda de água:
Rápida: vómitos, diarreia, exposição a calor e/ou exercício muito intenso. (As condições climatéricas muito quentes são uma das principais causas de desidratação rápida e podem acontecer nesta prova).
Lenta: Exercício físico moderado
Recomendação: beber água sempre que tiveres sede.
Saber se estás desidratado
1. Se sentires sede, não estás desidratado, mas perdeste água suficiente para necessitares de ingerir água.
2. Boca seca.
3. Pele seca (de não transpirar).
4. Urina escura. Quanto mais escura a urina mais desidratado estás.
5. Urina vermelha quer dizer urina com sangue, é sinal de alarme.
Sem Sintomas | Sede | Cefaleia | Tontura | Exaustão |
---|---|---|---|---|
Clara | Amarelo | Amarelo Escuro | Âmbar | Castanho Avermelhado |
Onde beber água:
- Existe água em todas as bases em quantidade abundante.
- Existe água potável ao longo do percurso que os atletas podem beber (indicado no plano da prova)
BEBE ÁGUA SEMPRE QUE TIVERES SEDE
Beber água sempre que tiveres sede.
Porque repetimos esta mensagem quase como um mantra?
Numa palavra: Hipervolémia. Em duas… Hipervolémia e Hiponatrémia. Estes dois problemas são muito mais frequente do que a desidratação.
Os planos de hidratação fixa podem levar tanto a hipervolémia como a desidratação. Porquê?
Há duas situações distintas. Exemplos:
1. O esforço físico foi superior ao esperado com calor e baixa humidade, o volume de água perdido é superior ao esperado, ingeres uma quantidade de água pré-determinada inferior ao necessário. Ficas desidratado.
2. O esforço físico foi menor que o esperado com clima ameno, o volume de água perdido é inferior ao esperado, ingeres a quantidade de água pré-determinada. Ficas hipervolémico. Sugestão: BEBE ÁGUA SEMPRE QUE TIVERES SEDE.
O segundo caso é o mais comum de suceder, em particular se não se compensar o cloreto de sódio (sal) que se perde no suor. A combinação de hipervolémia e perda de sais leva ao desenvolvimento de hiponatrémia associada ao esforço, uma situação potencialmente grave.
A hiponatrémia associado ao esforço é uma diminuição da concentração de cloreto de sódio (sal) na circulação sanguínea que ocorre no decorrer de esforço físico.
Esta situação clínica é relativamente comum em atletas de provas de longa distância. De forma geral os sintomas iniciam-se durante a prova mas as manifestações menos graves são inespecíficas: fraqueza, tonturas, dor de cabeça, náusea, vómitos. Em situações mais graves alteração do estado de consciência e convulsões (em pessoas sem história prévia de convulsão).
Prevenção
A prevenção desta situação clínica tem uma medida já mencionada, BEBER DE ACORDO COM A SEDE. Sugere-se também que durante a prova se ingira sal, com comida ou misturada na água.
Atenção: a hiponatrémia associada ao esforço, se não abordada no devido tempo e de forma adequada pode ter consequência graves. Se tiveres sintomas ou dúvidas contacta a equipa médica, não hesites.
Em corridas como a deste evento uma das principais causas de dor osteoarticular é nas tíbias/canelas. O impacto sobre a articulação tibio-társica e estrutura da tíbia é grande durante as descidas e em troços de piso mais irregular. A consequência são micro fraturas, stress o músculo tibial anterior e desenvolvimento de tendinite.
Fatores de risco:
1. Relacionados com a dinâmica de marcha
a. Variantes da anatomia do pé: pé chato
b. Calçado: demasiado novo ou demasiado usado altera a marcha
2. Relacionados com impacto directo/recuperação
a. Aumento da carga de treino
b. Redução do tempo de descanso
c. Provas multi-dias
d. Terreno duro ou muito irregular
Prevenção:
1. Se é um problema que já conheces:
a. Fala com a teu médico (equipa médica) para preparar a prova
b. Procura um fisioterapeuta para te aconselhar
c. Adapta o calçado (se necessário)
2. Se é um problema recente descoberto durante o treino
a. Reduz a carga de treino
b. Optimiza o tempo de recuperação/descanso
c. Procura ajuda para identificar variações anatómicas dos teus pés
Tratamento em prova:
1. Gelo/frio: nas bases pode ser usado gelo, durante a prova água das fontes e dos ribeiros e fontes tem efeito semelhante
2. Descanso: associada à crioterapia (gelo/frio) é fundamental para recuperação
3. Tapping: para reforço do tendão
A hipotermia é definida como uma redução acidental da temperatura central para valores abaixo dos 35ºC. Nesta prova a hipotermia é pouco provável.
A prova ocorre na Primavera quando as temperaturas são amenas. Mas na Primavera há chuva e vento, por vezes neve no pico da serra, e durante a noite a temperatura baixa. Tanto nos vales húmidos como nos cumes ventosos, reúnem-se condições para se desenvolver hipotermia.
Agora pensa no seguinte, num desses cumes ou vales estás cansado e abrandas o ritmo… reduzes a actividade muscular. A menor intensidade do exercício físico reduz a tua produção de calor, a evaporação do suor acentua a perda de calor. Condições propícias à ao stress térmico e instalação da hipotermia.
Durante a prova a hipotermia influencia a performance de forma significativa:
1. Reduz a performance cognitiva geral.
Ex. Dificulta a leitura da informação do GPS.
2. Reduz a performance cognitiva matemática.
Ex. Dificuldade a gerir os “tempos da corrida”.
3. Aumenta o tempo de reacção.
Ex. Mais tempo a coordenar e executar movimentos.
4. Reduz a capacidade de atenção/foco.
Ex. Mais consultas do mapa de corrida.
5. Reduz o estado de alerta.
Ex. Menos atenção a terreno perigoso.
6. Reduz a capacidade de aceder a memórias (recentes e antigas)
Ex. Confusão a tomar decisões sobre equipamento para etapas e alimentação.
Estes sinais são de alerta imediato, quer autopercebidos quer identificados noutro atleta.
Como prevenir a hipotermia? (AMA)
1. Antecipar (fatores de risco)
. Temperatura baixa . Vento . Noite . Baixa exposição solar . Roupa . Transpiração . Actividade física . Alimentação
2. Minimizar (exposição aos fatores de risco)
. Corta vento - reduzir perda de calor
. Camadas protetoras (2 a 3) – manter calor perto do corpo
. Camadas internas suplentes (não andar com roupa molhada)
3. Antecipar (problemas durante a prova)
. Zonas onde a intensidade física é menor (mais camadas de roupa)
. Preparar alimentos calóricos (manter metabolismo elevado)
. Manta térmica e/ou saco de calor químico (ou equivalente) – em caso de necessidade de parar.
A hipertermia é o aumento de temperatura central para valores acima de 38ºC, sendo os valores acima de 40ºC associados a riscos elevados.
Ocorre quando a os mecanismos de produção de calor são ultrapassados pela capacidade de arrefecimento fisiológica. Nesta prova, a possibilidade de ocorrerem condições ambientais que levem a hipertermia, é moderada.
Os fatores contributivos para a elevação da temperatura dos atletas são o calor produzido pelo exercício físico, a radiação solar direta, o ar quente envolvente (do alcatrão, das pedras, do terreno). O tipo de roupa utilizado também pode ser um problema por interferirem com o arrefecimento do corpo pela evaporação de suor.
A prova é contínua e decorre tanto de noite como de dia com potencial variação significativa da temperatura entre estes dois momentos. Assim as camadas de roupa protetiva da noite podem mostrar-se um impeditivo à adequada transpiração e arrefecimento durante o dia.
A maioria dos sintomas do espectro da hipertermia são ligeiros e facilmente identificáveis. Se não se atuar precocemente pode colocar-se a vida em risco.
Os sintomas menos graves são fadiga, fraqueza, sede, dor de cabeça, náusea, diarreia, tonturas, câimbras, sensação de calor, temperatura elevada. Caso não haja intervenção/atitudes com vista a reduzir a temperatura, o quadro pode ser grave com síncope, convulsão ou morte.
Repetindo o princípio de “atuar cedo para evitar agravamento clínico”, aconselha-se que se tomem as seguintes medidas preventivas:
• Proteção da radiação/Sol – protetor solar, chapéu de sol
• Roupa com boa circulação de ar, não demasiado apertada (em particular no tórax) – Promover arrefecimento por convecção
• Mantém hidratação e ingestão de sal – bebe sempre que tiveres sede
• Gere o esforço físico de forma sensata (adapta-te ao clima de forma ativa) – faz paragens estratégicas, de preferencia à sombra e/ou perto de água
• Usa água fria para te molhares e arrefecer o corpo se houver sensação de muito calor.
Desejamos a todos uma excelente prova...
e que a comunhão com a montanha seja plena.
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